Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
243/18.0GDFAR.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: RECURSO PARA A RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - É profundamente errada a ideia muito comum de que a existência de gravações da prova oral implica que basta a existência de um recurso para que o tribunal ad quem tenha que apreciar essa prova gravada mais os documentos, sem qualquer esforço do recorrente.

2 - O tribunal de recurso não tem que reapreciar a causa e toda a prova que foi produzida nos autos! O tribunal de recurso só tem que apreciar o recurso nos moldes em que o recorrente o coloca (para além dos vícios de conhecimento oficioso, naturalmente).

3 - Se o recorrente o coloca de forma deficiente – se não demonstra a existência de um “erro de revista alargada” do artigo 410º do C.P.P., nem impugna de forma especificada nos termos do artigo 412º do mesmo Código - o tribunal de recurso simplesmente e por imposição legal não pode alterar a matéria de facto (artigo 431º do C.P.P.).

4 - Em resumo, um recurso não é um somatório de argumentos que, por muito interessantes que sejam, não sigam as supra indicadas vias e pela demonstração de erros óbvios ou demonstráveis por prova que tem que ser, laboriosamente, preparada e apresentada pelo recorrente.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Central Criminal, J3 - correu termos o processo comum singular supra numerado contra:

(…), atualmente em prisão preventiva no estabelecimento prisional de Faro, e,

(…),

a quem foi imputada a prática, em co-autoria, e em concurso efetivo de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2 al.b) do Código Penal, por referência aos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea f) do mesmo código, e de um crime de incêndio, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 272.º, n.º 1, al.a) e b) do Código Penal, em conjugação com os artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, al.a) e 23.º, n.º 1 do mesmo código.

Imputando ainda apenas ao arguido (...) a prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, al.g) do Código Penal.


*

(…) constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização civil contra (…), pedindo a condenação solidária dos demandados no pagamento da quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), sendo € 190.000,00 a título de dano não patrimonial da perda da vida, € 25,000,00 a título danos não patrimoniais sofridos pela vítima no momento antes da morte e € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pela assistente.

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Por acórdão de 20 de Dezembro de 2019 foi decidido:

a) Absolver o arguido (…) do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, al.g) do Código Penal.

b) Absolver o arguido (…) e a arguida (…) do crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2 al.b) do Código Penal, por referência aos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea f) do mesmo código, e do crime de incêndio, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 272.º, n.º 1, al.a) e b) do Código Penal, em conjugação com os artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, al.a) e 23.º, n.º 1 do mesmo código.

c) Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por (…) e, em consequência, absolver os demandados (…) do pedido contra eles deduzido.

d) Declarar perdidos a favor do Estado os papéis, fósforos, camisa, frasco de álcool, chumbo de pressão de ar, isqueiro, suporte com vela, pin com a letra V, elétrodo e zaragatoas - objetos 1210412, 1210413 e 1210439 -, e ordenar que, após trânsito em julgado se proceda à sua destruição, nos termos do disposto no artigo 156.º, n.º 7 do Código de Processo Penal.

e) Determinar o mais que é de lei.


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Inconformado o Digno Procurador da República interpôs recurso, com as seguintes conclusões:

1. Da conjugação de toda a prova produzida conclui-se que os arguidos cometeram os crimes que lhe são imputados;

2. O tribunal deu como provados factos que integram a prática dos crimes de homicídio qualificado, de roubo agravado e incêndio na forma tentada;

3. O tribunal balizou o período temporal em que os factos ocorreram e que o roubo também se consubstanciou aquando do homicídio, assim como o crime de incêndio tentado;

4. O tribunal deu como provado (ponto 3.) que a arguida (...) naquele período (o dos factos – 17 e 18 de setembro de 2018) tinha rendimentos da atividade de prostituição quando, na sua fundamentação, refere apenas essa eventualidade, não resultando do depoimento das testemunhas que isso sucedesse, pelo que, este facto não pode ser dado como provado;

5. Não foi dado como provado, e consta do ponto 1 da acusação, que os arguidos tinham dificuldades financeiras, quando, o próprio tribunal na sua fundamentação refere isso mesmo, pelo que se entende que deve ser aditada esta conclusão aos factos dados como provados sob o ponto 1., tanto mais que se está perante um crime de roubo, crime este que determinou um homicídio e um crime de incêndio tentado;

6. O princípio do in dubio pro reo não pode ser de aplicação automática, deve desde logo existir uma dúvida inultrapassável e terá que assentar nos depoimentos dos arguidos quando estes se afigurem verosímeis e que correspondam a uma realidade quotidiana normal;

7. Ora, para além dos depoimentos dos arguidos ser muito parcial, só responderam a uma questão, ou seja, ser muito reduzido, mesmo assim, o que disseram não pode, nuns casos, por não ser o normal do quotidiano, e noutros pela impossibilidade física resultante de uma perícia;

8. Efetivamente, quando se agarra num objeto, para ele passam as impressões digitais, e se isso não acontece, tem que existir um motivo concreto e objetivo – no caso – o uso de luvas por parte do arguido;

9. Luvas que foram encontradas com sangue a cerca de 180 metros de casa da vítima;

10. Também o arguido (...) mentiu quanto à utilização do frasco de álcool, pois que num primeiro momento refere que era para utilizar num corte e pouco depois já refere que era para uma afeta (declarações gravadas);

11. Ora, são duas circunstâncias fáticas tão diferentes que ninguém pode ignorar que ou é uma coisa ou outra, não pode haver confusão;

12. Por outro lado, o frasco de álcool só foi utlizado após os factos – agressão - como resulta de forma inequívoca da fotografia de fls.235, o mesmo estava na cama por cima de manchas de sangue, ou seja, num primeiro momento o frasco teve que se deslocar para ali, usado (e foi – folhas queimadas junto ao corpo da vítima) e foi colocado em cima da cama;

13. E as impressões digitais, se tivesse existido, não poderiam desaparecer, uma vez que o frasco ali ficou por umas horas e foi recolhido pela Polícia Judiciária no dia seguinte;

14. Não tendo sido excluída a possibilidade do arguido ter usado as luvas apreendidas que tinham sangue (conforme exame pericial, na medida em que não foi possível realizar nenhum exame);

15. Acresce, que os arguidos não dormiram/descansaram nessa noite de 17 para 18 de setembro de 2018, conforme consta do exame às comunicações efetuadas;

16. Com enfoque, na persistência que a arguida faz através das 8 mensagens e uma chamada de voz para a testemunha de defesa – (…), entre as 20H42 e as 03H02;

17. Sem esquecer que o arguido (...) continua com esta insistência por três vezes às 07H05, 07H20 e 07H25;

18. Seguramente que não se tratava de sexo, que era o que esta testemunha afirmou em tribunal que de forma esporádica o fazia com a arguida, mas que era ele que contatava;

19. Por isso, o motivo seria outro e muito urgente, coincidente com o homicídio do (…);

20. Sobressai também dos registos das comunicações que os arguidos tiveram duas janelas temporais 22H48 a 02H42 e 02H42 a 05H18 que não contatam entre eles, e que tal está ligado ao local físico onde ambos se encontram – o mesmo;

21. Apesar de se desconhecer a proveniência do dinheiro de que os arguidos eram portadores, está documentado nos autos que os mesmos se deslocaram para Bragança e de terem pago despesas de deslocação (combustíveis e portagens) de alojamento e comida em hotéis;

22. Também está documentado que os arguidos pediam dinheiro emprestado e que passavam por dificuldades económicas, mas que após o roubo do (...) fizerem aquelas despesas que estão devidamente documentadas nos autos – fls.293, 294, 297 e 298;

23. E o dinheiro é impossível de identificar, sendo fácil para os arguidos desfazerem-se da carteira e telemóvel da vítima;

24. A prova tem que ser apreciada de forma global e não facto a facto, pois só a apreciação global permite alcançar o contributo de cada parte para o todo, e não de forma inversa;

25. Ao contrário do que se afirma no acórdão, não existe só o ADN do arguido como motivo de incriminação. Existe, sim, um conjunto de provas, a começar pelo ADN que permite concluir que foi o mesmo que matou, roubou e tentou colocar fogo na casa da vítima (...).

Vejamos:

- O ADN do arguido na garrafa de álcool;

- Que só pode ter sido colocado nesse dia;

- A falta de impressões digitais (pois que a ausência de uma prova que devia existir e não existe, é em si mesmo uma prova);

- A existência de umas luvas com sangue a cerca de 180 metros de casa da vítima;

- O facto de o arguido não ter dormido;

- As suas comunicações com a arguida e a testemunha (...);

- A brutalidade da agressão física na vítima (todas as fotografias, em particular de fls. 44, 45 e 238 a 242) que demonstra o emprego de força física considerável;

- As dificuldades financeiras existentes antes que desapareceram após os factos;

- O conhecimento que a arguida (...) tinha da vítima, da sua casa e dos seus bens;

- E por isso, a facilidade em que tinha que a vítima lhe abrisse a porta à noite.

Em suma, da conjugação de todos estes elementos – prova, é possível afirmar que a condenação do arguido não assenta só e em exclusivo na determinação do seu ADN.

26. Da conjugação destes motivos, tendo em conta o já explanado, não deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo de forma automática e sem espírito critico, dado que o pouco que os arguidos declararam em tribunal não adequa a uma realidade quotidiana normal, sendo mesmo impossível de acontecer no que toca à inexistência de impressões digitais na garrafa de álcool. E sendo omissos na grande parte dos factos;

27. Assim, a valoração de toda a prova não pode assentar nas declarações muito pontuais dos arguidos, que, apesar de muito curtas, são falsas;

28. Nestes termos, otribunal violouoprincípioda livre apreciaçãoda prova insertonoartigo 127º do Código de Processo Penal;

29. Igualmenteo tribunal violou o disposto nos artigos 131º, 132º, nºs. 1 e 2, alínea g), 210º, nºs. 1 e 2, alínea b) com referência à alínea f) do nº2 do artigo 204º e nº1 do artigo 203º, artigo 272º, nº1, alíneas a) e b) e artigo 22º, nº1, e 2º, alínea a) e 23º, todos do Código Penal;

30. E deste modo deve:

- Ser acrescentado no acórdão sob o ponto 1. que os arguidos tinham dificuldades financeiras;

- Deve ser retirado os factos dados como provados sob o ponto 3;

E ainda;

Deve a decisão ser revogada e substituída por outra que condene os arguidos (...) e (...) pelos crimes que lhe são imputados, ou seja:

Arguido (...):

- Um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nºs. 1 e 2, alínea g) do Código Penal;

- Um crime de roubo agravado em coautoria com a arguida (...), previsto e punido pelo 210º, nºs. 1 e 2, alínea b) com referência à alínea f) do nº2 do artigo 204º e nº1 do artigo 203º, todos do Código Penal;

- Um crime de incêndio na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 272º, nº1, alíneas a) e b) com referência ao artigo 22º, nºs 1 e 2, alínea a) e23º, nº1, todos doCódigoPenal.

Arguida (...):

Em coautoria com o arguido (...), um crime de roubo agravado e um crime de incêndio na forma tentada, de acordo com as disposições legais acima mencionadas.


*

Apresentou igualmente recurso a assistente (…), assim concluindo:

1ª - Estando presente o ADN do arguido, na tampa do frasco de álcool, usado para atear o incêndio, quando os arguidos tinham aberto as bocas do fogão, para encher o espaço da moradia da vítima de gás, sendo o ADN uma prova científica irrefutável, é prova insofismável que o arguido (...), esteve presente na moradia da vítima, de noite, participando como autor material dos crimes de homicídio, incêndio tentado e roubo, quando sabemos que a vítima conhecia a arguida (...), e lhe abriu a porta, já que a mesma porta, não tem sinais de ter sido forçada.
2ª - Vivendo os arguidos uma situação de penúria económica e financeira antes do homicídio da vítima, não existe explicação por parte dos arguidos, como e onde foram encontrar, o dinheiro para a sua deslocação para Bragança e o pagamento das despesas naquela cidade.
3ª - Vivendo a arguida (...) entre Almancil e Quarteira, na noite dos factos, demonstram as antenas dos telemóveis accionadas, que os arguidos estavam ambos, nessa noite, em (…) e não em outro qualquer local do Algarve.
4ª - Sendo o modo de vida dos arguidos, baseado na prostituição da Arguida e a dependência de estupefacientes de ambos e a sua carência de dinheiro uma óbvia questão, para quem vive neste segmento da sociedade, como resulta dos autos, o meio usual de obter fundos, já que os mesmos não trabalham nem têm rendimentos, é o roubo e o furto, os mais usuais neste tipo de situação, sendo que, a finalidade primeira do sucedido com a vítima, foi o roubo e as suas nefastas consequências para a vítima.
5 ª - Face ao exposto, revendo toda a matéria de facto, já que nada há a assinalar quanto à matéria de direito, deve o Venerando Tribunal da Relação, ponderados os factos, condenar os arguidos na prática dos crimes, tal como consta da douta acusação.

*

Os arguidos não responderam.

O Exmº. Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer defendendo o provimento dos recursos.


***

B - Fundamentação:

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1. Em meados de setembro de 2018, os arguidos (...) e (...) mantinham uma relação amorosa e eram ambos toxicodependentes.
2. No referido período de tempo, o arguido (...) não exercia qualquer atividade profissional remunerada.
3. No referido período de tempo, a arguida (...) exercia a atividade de acompanhante, trocando, de forma consciente, favores sexuais por dinheiro.
4. No decurso do ano de 2018, a arguida (...) prestou, pelo menos em três ocasiões distintas, favores sexuais a (...), na sua residência, sita no Sítio da (…), mediante pagamento de quantias monetárias.
5. No dia 18 de setembro de 2018, cerca das 10 horas da manhã, (…) foi encontrado, sem vida, no interior da sua residência, sita no Sítio da (…).
6. A morte de (…) foi devida a asfixia por aspiração de sangue, na sequência das lesões traumáticas crânio-encefálicas e do pescoço produzidas por um instrumento de natureza contundente ou outro atuando como tal.
7. No período compreendido entre as 22 horas do dia 17 de setembro de 2018 e as 9h30 do dia 18 de setembro de 2018, alguém, cuja identidade não se apurou, e de modo não apurado, entrou na residência de (...).
8. Alguém, cuja identidade não se apurou, com um objeto de natureza contundente, desferiu múltiplas pancadas no corpo e crânio de (...), quer no quarto onde habitualmente dormia, quer no corredor da habitação, local veio a ser encontrado.
9. Do interior da habitação, alguém, cuja identidade não se apurou, retirou e fez seu a carteira e o telemóvel de (...).
10. Alguém cuja identidade não se apurou, despejou álcool sobre a cama de (...), acionou os bicos do fogão e ligou do forno para libertar gás, acendeu uma vela no segundo quarto da residência, ateou fogo sobre uns papéis junto ao corpo de (...), por modo a propagá-lo sobre essa residência com auxílio do álcool e da vela e, consequentemente, provocar uma explosão com o auxílio do gás proveniente do fogão da cozinha.

Do pedido de indemnização civil
11. (...) nasceu a 26 de junho de 1948 e faleceu no estado de viúvo.
12. Deixou como única herdeira a filha, (…).
13. Durante cerca de quarenta anos, (...) desenvolveu a sua atividade na área da construção civil, na sociedade (…), com sede em (…), tendo construído imóveis em (…).
14. À data do óbito (...) administrava as suas propriedades e rendas.
15. Conduzia o seu automóvel, era uma pessoa ativa e saudável não tomava medicamentos nem sofria de qualquer doença nem padecia de deficiência física ou mental, auxiliava a sua filha, genro, netos e demais familiares.
16. Nos momentos prévios à sua morte (...) sofreu dor e angústia.
17. Em virtude do óbito do seu pai, a assistente, (…) sentiu desgosto e tristeza.
Da contestação
18. No exercício da sua atividade de troca de sexo por dinheiro, a arguida (...) usava habitualmente uma mala que no seu interior continha preservativos, álcool, gel de mãos, toalhetes e outros produtos de higiene íntima.
Das condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos
19. O arguido (...) viveu no Reino Unido com a mãe até maio de 2018, altura em que veio para Portugal na sequência de uma condenação em pena de prisão, que cumpriu, seguida de processo de expulsão.
20. A mãe do arguido continua em Inglaterra; o arguido tem ainda um irmão que se encontra desde 2008 a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Coimbra; o pai, que vivia em Portugal, faleceu em junho de 2018.
21. O arguido frequentou a escola em Inglaterra, tendo concluído 12 anos da escolaridade; ingressou em curso universitário que veio a abandonar após 2 anos; ainda em Inglaterra o arguido desenvolveu atividade profissional na área da mecânica de automóveis.
22. À data da sua detenção, o arguido estava desempregado há cerca de cinco meses e mantinha um relacionamento amoroso com a co-arguida (...).
23. O arguido tem um passado de consumo de drogas que estaria ultrapassado à data do seu regresso a Portugal, tendo sofrido uma recidiva.
24. Encontrava-se em tratamento com substituição por metadona, mantendo alguma irregularidade quer no acompanhamento (consultas) quer nas tomas.
25. No estabelecimento prisional de Faro já foi alvo de procedimentos disciplinares.
26. Por sentença de 5 de julho de 2012, proferida pelo Tribunal de South West London Magistrates 2652, no Reino Unido, foi o arguido condenado pela prática de três crimes de não comparecimento para detenção à hora indicada, nas penas de 65 libras esterlinas de multa por dia e 15 libras esterlinas de multa por dia (punição e sobretaxa de vítima), 90 libras esterlinas de multa por dia, e 90 libras esterlinas de multa por dia, respetivamente.
27. Por sentença de 17 de agosto de 2012, proferida pelo Tribunal de South West London Magistrates 2652, no Reino Unido, foi o arguido condenado pela prática a 17.8.2012 de um crime de incumprimento em frequentar a duração da avaliação no seguimento do teste para drogas classe A, na pena de privação da liberdade por um dia.
28. Por sentença de 14 de setembro de 2012, proferida pelo Tribunal de South West London Magistrates 9998, no Reino Unido, foi o arguido condenado pela práticaa 14.9.2012, de um crime de roubo, na pena de frequentar um curso de reabilitação de consumo de drogas, de fazer trabalho comunitário e sujeitar-se a supervisão, ficando obrigado a cumprir com medidas de liberdade condicional decididas pelo Tribunal, incluindo a obrigação de continuar sob vigilância.
29. Em 2007 a arguida (...) foi a Vinhais, visitar a avó e decidiu ficar a viver na zona de Bragança, onde permaneceu durante cerca de dez anos.
30. Em 2010 a arguida (...) teve uma filha, que vive no Algarve com a mãe e irmã da arguida, sendo que de três em três meses vem ao Algarve, durante quinze dias, para acompanhar a filha.
31. Começou a trabalhar como acompanhante por dificuldades económicas.
32. A arguida (...) não tem antecedentes criminais.
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B.1.2 – Factos não provados - Não se provaram os seguintes factos:

1. Que a arguida (...) se tenha relacionado sexualmente com para além das situações descritas no ponto 4 dos factos provados.
2. Que em meados de setembro de 2018, os arguidos (...) e (...) gizaram um plano, para concretização em conjugação de esforços e concertadamente, com o propósito de retirarem quantias monetárias/objetos de valor pertencentes a (...) que estivessem guardados na sua residência, sita no Sítio da (…).
3. Que esse plano consistia na deslocação da arguida (...) à residência de (...) para seduzi-lo à prática de relações sexuais, por modo a facilitar a entrada do arguido (...) com objeto contundente nessa residência para daí retirarem conjuntamente quantias monetárias/objetos de valor.
4. Que, na senda do plano previamente delineado, entre as últimas horas do dia 17 de setembro de 2018 e as primeiras horas do dia 18 de setembro de 2018, antes das 07H45, os arguidos (...) e (...), munidos com objeto contundente, dirigiram-se à residência de (…), sita no sítio da (…).
5. Que, na senda do plano previamente delineado, a arguida (...) dirigiu-se à porta da residência de (...) e sinalizou a sua permanência nesse local enquanto o arguido (...) permaneceu nas imediações munido com o objeto contundente.
6. Que, em ato contínuo, (...) abriu a porta e permitiu a entrada da arguida (...) na sua residência e dirigiu-se, com ela, para o seu quarto.
7. Que, de modo não apurado, o arguido (...) acedeu ao interior da residência de (...) e dirigiu-se ao quarto onde se encontravam (...) e a arguida (...) .
8. Que, nesse momento, o arguido (...) aproximou-se da cama onde estava deitado (...) e, com o objeto contundente, desferiu-lhe múltiplas pancadas no seu corpo e crânio.
9. Que o falecido (...) ergueu-se e caminhou na direção do corredor da residência, sendo perseguido pelo arguido (...) que continuou a desferir-lhe pancadas no seu corpo e crânio com o objeto contundente.
10. Que nesse momento, em resultado das pancadas desferidas pelo arguido (...) com o objeto contundente no seu crânio, (...) caiu inanimado.
11. Que, seguidamente, os arguidos (...) e (...) vasculharam o quarto de (...) e restantes divisões da sua residência na procura de quantias monetárias/objetos de valor, tendo achado a sua carteira e o seu telemóvel.
12. Que no interior da carteira de (...) estivessem € 500,00.
13. Que, perante o estado inanimado de (...), os arguidos (...) e (...) improvisaram um plano para despistar as autoridades policiais sobre a forma como aquele ficara nesse estado físico.
14. Que os arguidos (...) e (...), em conjugação de esforços e concertadamente, tenham agido nos termos descritos no ponto 10 dos factos provados.
15. Que, após, os arguidos (...) e (...) colocaram-se em fuga na posse da carteira de (...) contendo 500€ e do seu telemóvel.
16. Que os arguidos (...) e (...) agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, aceitando mutuamente a conduta do outro, atuando em conjugação de esforços e de forma concertada, com o propósito de acederem ao interior da residência de (...), na posse de um objeto contundente, para se apoderarem, ilegitimamente, mediante subtração, com as suas quantias monetárias/objetos de valor aí guardados, por meio de violência física sobre o mesmo com a utilização do mencionado objeto contundente, tal como veio a ocorrer.
17. O arguido (...) agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, atuando com o propósito de atingir a vida de (...), sabendo que a sua conduta era suscetível lhe causar a sua morte, aceitando essa possibilidade, por modo a facilitar/executar/encobrir a retirada das quantias monetárias/objetos de valor guardados na sua residência por meio de violência física sobre o mesmo com a utilização do mencionado objeto contundente.
18. Os arguidos (...) e (...) agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, aceitando mutuamente a conduta do outro, atuando com o propósito de provocar a deflagração de um foco de incêndio de relevo e explosão na residência de (...), criando perigo para a vida de (...) e para bens patrimoniais alheios de valor elevado, circunstância que não ocorreu por motivos alheios à sua vontade.
19. Que (...) construiu mais de quatro mil apartamentos, moradias e lojas no exercício da sua atividade.
20. Que (...) pagava entre € 300,00 a € 500,00 à arguida (...) por cada vez que tinham relações sexuais.

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B.1.3 - E apresentou as seguintes razões para fundamentar a matéria de facto:

«A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada e não provada assentou no conjunto da prova produzida em audiência recorrendo às regras de experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Foram valoradas as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas, e apenas na medida em que os respetivos declarantes demonstraram ter conhecimento direto e pessoal sobre os factos e os depoimentos se revelaram claros, precisos e isentos de contradições.
O arguido (...) prestou declarações apenas relativamente ao ADN que foi encontrado numa garrafa de álcool apreendida no quarto do falecido. Referiu o arguido, a este propósito, que em meados de setembro fez um corte na boca e, para desinfetar usou álcool que a (...) tinha na sua bolsa, tendo posto a garrafa na boca. Esclareceu que depois disso devolveu a garrafa à (...), que a voltou a guardar na bolsa, desconhecendo como a mesma terá ido parar a casa do falecido. Referiu ser destro mas já não se recordar com que mão pegou na garrafa. Tendo-lhe sido exibida a fotografia de fls. 263 o arguido referiu que era uma garrafa parecida, não podendo afirmar se era a mesma. No final da audiência de julgamento, o arguido (...) referiu ainda que se encontrava em Bragança, a caminho de uma entrevista de trabalho, com a arguida (...), e que foram mandados parar por um carro descaracterizado, acompanhado por um carro da PSP, tendo então sido algemado e conduzido à esquadra de Bragança e levado para as instalações da Polícia Judiciária em Vila Real, onde chegou pelas 11h30 e só saiu pelas 00h30 do dia seguinte.
Esclareceu que no momento em que o detiveram ficaram com as chaves do seu carro Lancia Y10, matrícula (…) – desconhecendo quem o conduziu até às instalações da PolíciaJudiciária em Vila Real, sendo que, quando de lá saiu foi no seu veículo.Esclareceu ainda que os inspetores da Polícia Judiciária de Faro chegaram a Vila Real entre as 19h30 e as 20h00, sendo que lhe foi dito que estava retido para testemunhar, não tendo tido acesso a um advogado e só o deixavam sair se autorizasse a recolha de ADN. Ninguém o esclareceu que se tratava de um processo relacionado com (...), não lhe perguntaram se podiam fazer uma busca ao carro e assinou vários papeis cujo conteúdo não se recorda.
A arguida (...) referiu conhecer o falecido (...), pessoa com quem manteve relações sexuais, duas ou três vezes, na casa deste, mediante uma contrapartida monetária. Esclareceu que todas as vezes que esteve em casa do falecido (…) ocorreram no ano de 2018, entre agosto e setembro, e de todas as vezes ele estava bem. Referiu ainda que tinham relações sexuais no quarto ou na garagem e que a primeira vez que esteve com ele foi de manhã, já não se recordando a que hora do dia esteve com ele nos outros encontros. Esclareceu ainda que, por exercer a profissão de acompanhante, traz consigo um estojo com diverso material para usar nas relações sexuais, entre outras coisas gel de massagem, gel de mãos e álcool para desinfetar depois de ter relações. Referiu que não tem muitos clientes e não costuma perder muitas coisas, mas ser possível que algumas vezes fique qualquer coisa esquecida ou perdida, tendo memória de ter deixado um frasco de álcool na casa do falecido (…). Quanto ao tipo de álcool usado, referiu costumar usar uma garrafa pequena, de marca branca, com rótulo azul e ser álcool de 80 graus. Tendo-lhe sido exibida a fotografia de fls. 236, a arguida referiu que poderia ser idêntico aos por si usados. Também referiu que o arguido (...) mexia nas suas coisas, pese embora não tenha querido explicar qual a relação que mantinha com o arguido (...), nem sobre a sua deslocação para Braga e para França. No final da audiência de julgamento, a arguida (...) esclareceu que quando estava em Bragança com o arguido (...) iam a caminho de uma entrevista de emprego quando foram bloqueados por duas viaturas da PSP, uma delas descaracterizada, tendo seguido para as instalações da Polícia Judiciária em Vila Real com um agente da PSP no carro do (...), onde esteve cerca de 12 horas. A arguida referiu que lhe foi negado falar com um advogado, que lhe retiraram o telemóvel e que, pelo inspetor (…) lhe foi dito que só poderia ir-se embora se autorizasse a recolha de ADN. Por fim, a arguida esclareceu ainda quanto ao período de dez anos em que viveu em Bragança.
A assistente (…), filha do falecido (...), prestou declarações, esclarecendo sobre como teve notícia do óbito do pai, a atividade profissional deste e as atividades que desenvolvia mesmo depois de se reformar, os rendimentos que tinha e as relações que tinha com a declarante e com a família em geral.
Esclareceu que teve conhecimento do óbito do pai de manhã, sendo que na noite anterior o pai tinha jantado em sua casa e foi para a dele, que distava cerca de 500 metros da sua, pelas 21h30 ou 21h45. Referiu que durante a noite, não sabendo precisar horas, houve um período de cerca de meia hora a uma hora em que os cães ladraram muito, mas não se apercebeu de nada de anormal. Referiu que quando chegou a casa do pai na manhã seguinte já lá se encontravam a GNR e as ambulâncias, e descreveu como encontrou a casa e o quarto do pai, tendo esclarecido que deu conta de faltarem o telemóvel do pai, a carteira com todos os documentos, relógios, um fio de ouro com um crucifixo e uma medalha com o crânio de uma corvina. Mais esclareceu que no meio de outros papéis do pai que teve de arrumar encontrou um com o nome da arguida (...). Referiu ainda que era hábito do pai andar com dinheiro nas algibeiras – entre € 500,00 a € 1.000,00 – e que tinha por hábito guardar dinheiro em casa, sendo que havia um cofre no quarto, com dinheiro e uma coleção de moedas no interior, e que não foi arrombado. A assistente esclareceu quanto às características da casa em que o pai morava e sobre os hábitos deste em deixar janelas abertas e portas apenas no trinco. Referiu não ter memória da última vez que fora a casa do pai antesdo óbito, mas como moravam perto e falavam diariamente, frequentava a casa mais que uma vez por semana. Por fim, esclareceu sobre os seus sentimentos e alterações de rotina após o óbito do pai.
A testemunha (…), inspetor da Polícia Judiciária, referiu que quando chegou ao local já lá se encontravam outras pessoas, designadamente a equipa que fez a inspeção judiciária, admitindo por isso que o cenário que observou pudesse ser diferente daquele que existia antes. Referiu ter observado um grande volume de substância hemática na zona do quarto e do hall de entrada, o que o levou a concluir que o falecido fora agredido nessa zona, um amontoado de cinzas e de papéis, uns queimados, outros por queimar, junto ao cadáver, várias projeções de sangue no estore da janela do quarto, na cama, na porta da entrada, no corredor do hall e no teto. Esclareceu ainda que visualizou uma garrafa de álcool sobre a cama, que pareceu inicialmente descontextualizada, mas que depois associaram ao foco de incêndio. Esclareceu também ter tido conhecimento que os arguidos estariam no norte do país, onde se deslocou para lhes tomar depoimento e que depois disso foram considerados suspeitos e interveio na busca à residência dos mesmos.
A testemunha depôs sobre as várias diligências que efetuou, designadamente, que falou com populares que conheciam a vítima e por essa via ficou a saber que este conhecia a (...), foram localizados documentos de estadias em hotéis na zona de Bragança, pelos arguidos, depois da data em que os factos ocorreram, através de pessoas que conheciam os arguidos obtiveram os números de telefone que os mesmos usavam e fizeram a identificação das antenas que foram acionadas por esses números na noite em que os factos ocorreram, telemóveis esse que todavia, não chegaram a ser apreendidos.
A testemunha (…), também inspetor da Polícia Judiciária, esclareceu que obtiveram os números de telefone usados pelos arguidos através de pessoas que os conheciam e solicitaram extratos bancários das contas que os mesmos utilizavam, o que permitiu fazer a localização das antenas BTS acionadas pelos telemóveis na noite em que os factos ocorreram e os movimentos bancários dos arguidos, que posteriormente foram vertidos nos mapas que constam no apenso III. Confrontado com as imagens de videovigilância constantes a fls. 426, a testemunha referiu que não foi possível apurar o percurso dos arguidos no dia em que as imagens são captadas, sabendo apenas que os arguidos em dia não apurado foram para Bragança.
A testemunha (…), também inspetor da Polícia Judiciária, referiu que na sequênciada comunicação do óbito, se deslocou ao local,onde já se encontrava a GNR, e observou que o fogão tinha os botões com copos em cima a fazer pressão, que havia uma vela apagada num quarto, que havia papéis queimados junto ao cadáver, que havia um frasco de álcool em cima da cama, referindo que, todavia, não sentiu odor a gás, não cheirava a queimado, sendo que as janelas e a porta estava, abertas no momento em que chegou ao local. Confirmou ter elaborado o auto de exame ao local que consta de fls. 38 a 41, sendo que a reportagem fotográfica anexa foi feita por outro inspetor. Confirmou igualmente ter feito a apreensão dos objetos que constam do auto de fls. 174/175 e esclareceu que a reportagem fotográfica de fls. 220 a 260 foi feita pelo especialista (…), sendo que esteve presente na durante a mesma onde foram recolhidos vários vestígios para posterior análise lofoscópica e biológica. Esclareceu que face à grande quantidade de sangue e projeções de sangue no quarto e corredor de entrada, concluíram ter sido nessa zona que a vítima foi agredida. Mais esclareceu que chegaram aos números de telefone usados pelos arguidos à data dos factos através de pessoas que os conheciam e recolheram elementos documentais que permitiram saber que os mesmos foram para Bragança após os factos. Esclareceu ainda que, de acordo com a linha de investigação seguida, os arguidos passaram a ser suspeitos na altura, motivo pelo qual foi pedida a sua localização à PSP de Bragança e os mesmos foram ouvidos nas instalações da Polícia Judiciária de Vila Real, desconhecendo como para aí se deslocaram, sabendo apenas que, finda a diligência, se ausentaram do local no veículo conduzido pelo arguido (...). Numa ulterior sessão de julgamento, a testemunha voltou a depor, esclarecendo que os arguidos estiveram nas instalações da Polícia Judiciária de Vila Real de livre vontade, tendo tido a informação de que não teriam conseguido contactar um advogado, mas que foram muito colaborantes, forneceram à investigação pormenores aos quais a polícia não chegaria por outro meio, tendo-lhes sido dito que a recolha de ADN era um complemento das declarações que prestaram mas que não era obrigatório, negando ter dito que tal era condição para saírem das instalações da Polícia Judiciária.
A testemunha (…), cunhada do falecido (...) referiu morar na casa ao lado da do falecido e não ter ouvido nada durante a noite em que os factos ocorreram. Esclareceu que o sobrinho/neto a foi chamar e foi com ele a casa do falecido, tendo então aberto a porta e visto que o mesmo se encontrava deitado no chão, cheio de sangue e com a cara e tronco tapado, motivo pelo qual saíram logo e chamaram a polícia.
Esclareceu não ter sentido qualquer odor quando abriu a porta, nunca ter visto a arguida (...) na casa do cunhado e que havia semanas que não via o falecido devido ao seu trabalho.
A testemunha (…), neto do falecido, foi ter com o avô cerca das 10 horas e como o mesmo não abria a porta andou a ver se o via pelas janelas, tendo então por uma das janelas visto que estava deitado no chão. Esclareceu que a janela estava fechada, mas tinha o estore aberto. Ligou à mãe que o aconselhou a ir ter com a tia, o que fez, e com a chave desta abriram a porta e viram o corpo tapado até à cabeça. Referiu que cheirava a queimado e a gás, mas perante o cenário, não tocou em nada, recuou, fecharam a porta e chamou o 112.
A testemunha (…), genro do falecido, esclareceu que não reparou em nada de anormal, tendo visto de manhã que a janela do quarto do sogro estava fechada, o que só acontecia quando se deitava tarde, e pensou que estaria a descansar dado que os cães tinham feito barulho à noite.
A testemunha (…), bombeiro, esclareceu que foram chamados ao local por causa de uma eventual fuga de gás, sendo que,quando lá chegou e viu o corpo no chão, deu ordens à equipa para ficar no exterior a fim de preservar o máximo o local. Foi, por isso, o primeiro a entrar no local, visto que, face ao receio do gás, quer a GNR quer a equipa da VMER aguardaram no exterior. Esclareceu que entrou na casa, o mais rente ao lado direito do corredor possível (oposto ao lado onde se encontrava caído o cadáver) e foi à cozinha, de onde tirou uma garrafa de azeite de cima de dois bicos do fogão, do qual ainda estava a sair gás (devido à pressão da garrafa), motivo pelo qual fechou os manípulos, a torneira de segurança e desligou o forno que também estava ligado. Abriu a janela da sala ao lado da cozinha para fazer ventilação e sair o cheiro a gás e depois voltou à cozinha onde se encontrava uma carta que tinha a identificação do dono da casa.
Esclareceu que o corpo estava entre a porta do quarto e o corredor, de barriga para cima, em tronco nu e com o rosto à mostra, esclarecendo que o lençol que se vê na fotografia de fls. 43 (que lhe foi exibida) foi posto à posteriori, e que ao lado do cadáver havia muito sangue e um bocado de papel meio queimado. Esclareceu que não entrou no quarto nem nas restantes divisões.
A testemunha (…), carteiro, esclareceu conhecer a arguida (...) de (…) porque fazia o giro do correio na zona em que a mesma habitava, sendo que também conhecia o falecido, para quem em tempos havia trabalhado numas obras. A testemunha referiu que cerca de dois meses antes do óbito do senhor (…) tinha visto o mesmo a conversar com a arguida (...) próximo do intermarché, sendo que por duas vezes a viu a andar entre essa rotunda e a rotunda do campo de futebol, desconhecendo, todavia, se a mesma frequentava a casa do falecido ou sequer qual era a relação que existia entre eles. Mais referiu que nada de especial lhe chamou a atenção para o facto de estarem a conversar, a não ser o facto de os conhecer aos dois.
A testemunha (…), referiu ter conhecido a arguida quando teriam cerca de 12 a 13 anos, ter deixado de a ver, até que há cerca de um ano atrás se voltaram a reencontrar através das redes sociais. Referiu que mora em frente à casa do falecido, mas soube do óbito através de uma amiga porque nessa altura estava no estrangeiro.
Esclareceu que tomou café com a arguida duas ou três vezes e que falavam diversas vezes ao telefone, sendo que uma dessas vezes a arguida lhe pediu dinheiro emprestado – dizendo que as coisas estavam complicadas no trabalho na frutaria e que precisava dinheiro para a filha -, ao que a testemunha acedeu, tendo-lhe entregue 30 euros. A testemunha referiu que tal sucedeu por volta do dia 9 de setembro, pois faz anos a 17 de setembro e no dia 16, que foi domingo fez uma festa na sua casa, na qual esteve presente o falecido, e a situação do dinheiro ocorrera no sábado anterior. Referiu que pediu à arguida para lhe devolver até quinta feira porque na sexta feira (antes da referida festa e do seu aniversário) tinha uma consulta médica e precisava desse dinheiro para a pagar, sendo que, todavia, a arguida não lho devolveu. Mais esclareceu que regressou na quinta feira seguinte e disseram-lhe que ela não estava em São Brás. Tinha dois números de telefone da arguida, mas não estavam em funcionamento, pelo que falou com a irmã dela que, por sua vez falou com arguida, tendo esta acedido a que a irmã desse à testemunha o seu atual número de telefone e, por essa via, conseguiu falar com a arguida. Referiu que a arguida lhe disse estar em Bragança, mas não justificou porquê, explicou que lhe tinham roubado os telemóveis e disse que iria regressar a São Brás, mas sem adiantar datas. A testemunha referiu ainda que sabia da existência do (...), pela arguida, mas nunca o tinha visto pessoalmente, desconhecendo se ela consumia ou não algum tipo de estupefaciente. Por fim, indicou os números que tinha gravados no seu telemóvel como pertencentes à arguida – (…) ((...) frutaria) e (…) ((...)(...))–esclarecendo desconhecer qual dos dois primeiros lhe foi dado pela irmã da (...) e que gravou o último número no dia em que ela lhe pediu dinheiro e disse que estava a ligar do telefone do (...).
A testemunha (…) referiu ser dono de uma agência funerária em Martinlongo e ter tratado do funeral do pai do arguido (...). Esclareceu que o arguido pagou os serviços do funeral do pai e que a própria funerária tratou de enviar a documentação para a Segurança Social a fim de receber o respetivo subsídio, todavia, antes desse pagamento pela Segurança Social, a arguida (...) foi lá reclamar porque queriam um adiantamento. Esclareceu que devido a um mal entendido com o irmão deu ordem para transferir € 100,00, desconhecendo, todavia, quando foi feita ou quem indicou o número da conta para a qual foi feita. Por fim, esclareceu ter sido a arguida (...) a chamar a GNR nessa ocasião e não o próprio.
A testemunha (…), irmão da testemunha anterior, referiu que a firma fez o funeral de um familiar dos arguidos, já não se recordando de qual nem quem tinha pago as despesas do funeral. Referiu que a determinada altura a arguida (...) lhe telefonou a reclamar do facto de não terem enviado a documentação para a Segurança Social, o que efetivamente acontecera e, por isso, achou certo que fossem de alguma forma ressarcido.
Por esse motivo, falou com o irmão e fez a transferência de €100,00, tendo junto aos autos o respetivo talão. Por fim, esclareceu que só falou com a arguida ao telefone e não presencialmente.
A testemunha (…) referiu conhecer o falecido (...) e a (...), ambos da localidade de São Brás de Alportel e uma vez tê-los visto a conversar junto a uma praça em São Brás. Esclareceu ainda que à data dos factos namorava com uma rapariga, (…), e que um dia foi a casa do falecido fazer uns trabalhos e ele começou a meter-se com a sua namorada pensando que ela era prostituta, sendo que depois perguntou à (…) se tinha uma amiga e ela deu-lhe o contacto da (...).
A testemunha (…), relatou a mesma situação que a testemunha anterior, esclarecendo que o falecido (...) queria alguém para ter relações sexuais e daí ter-lhe dado o número de telefone da (...), o que aconteceu cerca de um ano antes de o senhor (…) ter falecido. A testemunha afirmou que nunca falou com nenhum dos dois sobre isso, desconhecendo se chegaram a encontrar-se.
A testemunha (…) referiu ser primo da arguida (...), tendo visto o arguido (...) uma vez num café e ter-lhe sido apresentado pela (...) como namorado.
Esclareceu que tinha uma boa relação com a prima e que esta alguma vezes lhe pediu dinheiro, já não sabendo precisar quando exatamente isso aconteceu, mas ter ideia que de dois em dois meses mais ou menos lhe pedia cerca de € 30,00. Esclareceu ter gravados no seu telemóvel os seguintes números da prima: (…). Por fim, referiu desconhecer se a prima consumia drogas ou se trocava favores sexuais por dinheiro.
A testemunha (...) referiu que conheceu a arguida (...) numa casa noturna em Faro, tendo por duas vezes tido relações sexuais com ela e pago € 30,00 de cada vez. Referiu ter conhecido o arguido (...) porque era ele quem a levava quando ia ter com a testemunha, desconhecendo qual era a relação entre eles. Por fim, esclareceu que os encontros ocorriam em (…) e ao pé do estádio de futebol do Algarve.
A testemunha (…), indicada na contestação dos arguidos, referiu ter obtido o contacto da arguida (...) num site – (…) - e ter tido relações sexuais com ela quatro ou cinco vezes, tendo pago cerca de € 100,00 de cada vez, o que aconteceu no final de 2018 e já em 2019. A testemunha esclareceu que a arguida utiliza uma bolsa onde tem lubrificantes, preservativos, toalhitas e álcool para lavar as mãos, tendo esclarecido que de todas as vezes que esteve com ela, a mesma utilizou o álcool para limpar as mãos. Referiu pensar que o álcool era em garrafa pequena de plástico.
Por fim, a testemunha (…) referiu ter conhecido a arguida (...) em Bragança, há 10 ou 12 anos e ter tido relações sexuais com ela, pagando cerca de € 50,00 de cada vez. Referiu que usava preservativo e que era ela quem trazia numa bolsa onde, para além de preservativos, trazia perfumes e álcool para limpar as mãos. Referiu pensar que o álcool era em garrafa pequena de plástico.
Foram tomadas declarações ao perito da NOS, (…), o qual esclareceu que existe uma BTS fixa perto dos bombeiros em São Brás de Alportel e que as áreas representadas pelas letras Aa C a fls.113 a 117 são os locais cobertos pelo sinal proveniente dessa antena. Esclareceu que teoricamente cada estação cobre um raio de 30 km, sendo que em situações de fronteira dois equipamentos, utilizando tecnologia diferentes, podem acionar antenas diferentes. Referiu que a ativação das células depende da tecnologia utilizada (sms e email – 4G; voz – 2G ou 3G), e que a tecnologia preferencial é 4G, o que significa que sem estar em chamada reenvia para 4G. Mais esclareceu que as células são ativadas a cerca de 2 Km em linha reta, sendo que em zonas vizinhas, como São Brás e Santa Catarina da Fonte do Bispo, pode haver sobreposição de cobertura das estações.
No que concerne à prova documental, todos os sujeitos processuais tiveram ampla oportunidade de discutir todos os documentos de que o tribunal se serviu para fundar a sua convicção. A este propósito cumpre esclarecer que é entendimento deste tribunal que os documentos juntos aos autos antes do julgamento não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida, pois tais provas podem ser submetidas ao contraditório sem necessidade de serem lidas na audiência, já que as partes têm conhecimento do seu conteúdo – neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 87/99, DR, II Série de 1-07-1999 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de abril de 2007, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Designadamente, foram tidos em consideração os print’s, constantes de fls. 189/193, as reportagens fotográficas constantes de fls. 42/45, 150/151, 188, 302/310, 390/397, 399/409, a informação relativa à identificação de células constante de fls. 113/119, os relatórios de diligência externa constantes de fls. 186/187, 385/386, 446/448, 522/523, 582/583, 587, 617, os autos de apreensão constantes de fls. 153/154, 328/331, os autos de busca e apreensão constantes de fls. 271/278, 387/389, o termo de consentimento constante de fls. 286, 301, as cópias constantes de fls. 293/296, 450/454, 1061, as faturas constantes de fls. 297/298, os fotogramas constantes de fls. 426/433, a informação constante de fls. 466/467, a informação bancária constante de fls. 558/567, os exames constantes de fls. 38/41, 42/45, 46/49, 122/123, 149/151, 220/269, 299/300, as transcrições das escutas telefónicas constantes dos apensos I, II e III e a perícia constante de fls. 459/461, 517/519, 779/784.
Em sede de contestação e foram suscitadas nulidades de que cumpre conhecer.
Por facilidade de exposição, analisar-se-á, em primeiro lugar a nulidade invocada quanto às interceções telefónicas autorizadas nos autos de e para o número de telefone (…), por se tratar do número de telefone do defensor dos arguidos no processo.
A autorização para interceção e gravação das conversações telefónicas estabelecidas de e para o IMEI com o número (…) consta a fls. 826 e 827 dos autos e mostra-se devidamente fundamentada. Não há dúvidas, pelo teor das conversações transcritas no apenso II dos autos que o referido telefone era utilizado pela arguida (...). Solicitada informação à MEO consta de fls. 1239 dos autos que o cartão com o número (…) foi adquirido no dia 28 de fevereiro de 2019 pelo cliente (…) e que o equipamento com o IMEI identificado no processo vendido ao mesmo cliente. Consta da procuração junta a fls. 412 e 413 que o defensor dos arguidos usa o nome profissional (…).
Ora, independentemente da não coincidência absoluta dos nomes constantes do ofício da MEO e da procuração junta aos autos, dando-se por bom que se trata da mesma pessoa, não há nos autos qualquer nulidade.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 187.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, é proibida a interceção e gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objeto ou elemento de crime. A validade das interceções telefónicas, desde que devidamente autorizadas e obtidas de acordo com as formalidades previstas no artigo 187.º do Código de Processo Penal, não depende de quem adquiriu ou é proprietário do telefone sob interceção. Se o ilustre mandatário da arguida resolver entregar à arguida um telefone para uso desta, tal é absolutamente indiferente pois o que se protege são as conversações entre o advogado e a arguida. Dos autos, designadamente do apenso II – onde constam as transcrições das interceções telefónicas consideradas relevantes – não há qualquer conversação entre a arguida e o seu mandatário, da qual pudesse, ao abrigo do disposto no artigo 187.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, determinar a sua nulidade.
Por conseguinte, não há qualquer nulidade das interceções feitas ao número 961283205 e aparelho IMEI.
Questão diferente é a da relevância probatória de tais interceções, o que infra será analisado.
Alegam os arguidos a nulidade da prova obtida através da diligência levada a cabo pela Polícia Judiciária em Vila Real. Antes de mais, porquanto a folhas 177 dos autos, a Polícia Judiciária de Faro solicita à GNR, PSP, SEF e Unidade de Informação a localização e “retenção” dos arguidos, que na altura, não tinha ainda tal estatuto processual. Referem os arguidos que foram coagidos, que não lhes foi solicitada autorização para efetuar buscas no veículo automóvel e que apenas assinaram os consentimentos para recolha de ADN por lhes ter sido dito que se o não fizessem não podiam sair das instalações da Polícia Judiciária de Vila Real.
Sobre esta questão prestaram declarações os arguidos e o inspetor da Polícia Judiciária (…), sendo opostas as duas versões sobre os factos. Todavia, consta a fls. 383 dos autos a informação da Diretoria da Polícia Judiciária do Norte relativamente ao cumprimento do pedido difundido pela Diretoria da Polícia Judiciária do Sul. Consta da referida informação que os “suspeitos” foram localizados pela PSP, na cidade de Bragança, pelas 14 horas, quando se faziam transportar no veículo Lancia, (…), e após contacto foi solicitada a condução de ambos e da viatura para o Comando Local a fim de aguardar a chegada da PJ do Norte. Chegados ao comando os inspetores da PJ da Diretoria do Norte, foi solicitado aos arguidos que os acompanhassem até à ULIC (unidade local de investigação criminal), tendo os dois acedido a esse pedido.
Ora, o que se verifica é que a diligencia efetivamente realizada não teve correspondência na diligência solicitada, não se tendo verificado qualquer “retenção” ou privação ilegítima da liberdade dos arguidos. Por outro lado, as declarações do arguido, no sentido de que não lhe foi solicitada autorização para a busca ao veículo mostram-se infirmadas pelo documento constante a fls. 271 dos autos, onde o arguido assinou o referido consentimento. Por outro lado ainda, a colaboração dos arguidos, tal como descrita pelo inspetor (…) e vertida na informação de fls. 383, resulta da junção aos autos, dos documentos de 293 e 294 – relativos à viagem dos arguidos para Bragança – e que foram entregues pelos próprios.
Assim, pese embora as declarações dos arguidos sobre esta matéria, as mesmas não se mostram confirmadas pelos demais elementos constantes dos autos, dos quais decorre, em abono dos arguidos, a sua atitude de colaboração para com os órgãos de polícia criminal. E, por conseguinte, não há elementos de facto nos autos, que permitam ferir de nulidade, nos termos do artigo 126.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a prova obtida através da diligência levada a cabo nas instalações da Polícia Judiciária de Vila Real, designadamente a recolha de ADN e os respetivos consentimentos que constam a fls. 286 e 301 dos autos.
Questão diferente é a da relevância probatória da busca ao veículo do arguido e do ADN recolhido, o que infra se analisará.
Posto isto.
Relativamente aos pontos 1 a 4 e 18 dos factos provados, a convicção do Tribunal assenta essencialmente nas declarações dos arguidos, que assumiram tais factos, sendo que, pese embora a arguida (...) não tenha querido prestar declarações sobre o seu relacionamento com o arguido (...) este fê-lo para justificar a presença do seu ADN num objeto encontrado na casa do falecido (...). Para além disso, a testemunha (…) também confirmou tal relacionamento, tendo inclusivamente gravado o número de telefone do arguido no seu telefone como associado à arguida (...), sendo que tal relacionamento decorre à saciedade dos demais elementos constantes dos autos.
A arguida contactou a agência funerária por causa da devolução de quantias alegadamente pagas de forma indevida aquando do funeral do pai do arguido (...) e viajaram juntos para Bragança e ficaram no mesmo quarto de hotel (fls. 297 e 298).
Quanto à atividade da arguida (...), para além das declarações da própria, foram valorados os depoimentos das testemunhas (...), que contactaram com a arguida no exercício dessa atividade de prostituição. Por fim, quanto à problemática da toxicodependência, foram consideradas as guias de tratamento de metadona de fls. 295 e 296.
No que concerne aos pontos 5 e 6 dos factos provados, a convicção do Tribunal decorre do depoimento das testemunhas (…), que foram quem primeiro teve contacto com o cadáver do falecido (...), em conjugação com os depoimentos das testemunhas (…), e com as declarações da assistente (…). Em conjugação com estes depoimentos, foram também considerados a comunicação de fls. 27, o auto de notícia de fls. 346, a informação do INEM de fls. 348 e termo de fls. 349, o auto de exame ao local de fls. 38 a 41, a reportagem fotográfica de fls. 42 a 45, o auto de exame ao cadáver de fls. 46 a 49, o auto de diligência de fls. 122 e 123, a reportagem fotográfica de fls. 220 a 261, 262 a 269 e o relatório de autópsia de fls. 780 a 784.
Relativamente aos pontos 11 a 17 dos factos provados, a convicção do Tribunal resultou essencialmente das declarações da assistente (…), em conjugação com o relatório de autopsia de fls. 780 onde consta a data de nascimento do falecido e as lesões sofridas, das quais se permite concluir pela dor e angústia sentidas pela vítima no momento antes do óbito, e com a escritura de habilitação de herdeiros de fls. 1158.
De todos os elementos probatórios a que se supra se aludiu para prova dos pontos 5, 6, 11 a 17 resulta igualmente a convicção do tribunal quanto aos pontos 7 a 10 dos factos provados. Ou seja, dos depoimentos das testemunhas que estiveram no local em conjugação com o auto de exame ao local de fls. 38 a 41, a reportagem fotográfica de fls. 42 a 45, o auto de exame ao cadáver de fls. 46 a 49, o auto de diligência de fls. 122 e 123, a reportagem fotográfica de fls. 220 a 261, 262 a 269 e o relatório de autópsia de fls. 780 a 784 permitem concluir de forma segura quanto à forma como foram produzidas as lesões verificadas no cadáver de (...), que a morte do mesmo não foi autoinfligida, e bem assim como a residência se encontrava, designadamente quanto à disposição dos vários objetos que, pelas regras da experiência comum, permitem concluir que se tentou provocar um incêndio na habitação. Quanto ao período temporal em que tal factualidade aconteceu teve-se em consideração as declarações da assistente (…), segundo a qual o pai jantou na sua casa e saiu pelas 21h30 e o depoimento de (…) que disse ter combinado com o avô que este o levaria à escola e que, por estranhar a sua ausência deslocou-se à sua residência pelas 10h da manhã, momento em que deu com o cadáver.
Ora, se dúvidas não restam quanto ao facto de o óbito de (...) ter sido causado por ação de terceiros, questão diferente diz respeito à autoria dos factos por parte dos arguidos.
Sobre esta questão, antes de mais cumpre tecer algumas considerações. Estando o Tribunal, na apreciação da matéria de facto vinculado ao princípio fundamental do in dubio pro reu, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Lei Fundamental, qualquer dúvida que surja na apreciação da prova terá necessariamente de se resolver de forma favorável aos arguidos.
É óbvio que não se pode conhecer a verdade “absoluta e universal” sobre o facto histórico verificado, porque o conhecimento humano é de capacidade limitada, no entanto, exige-se o “convencimento justificado”, idóneo para superar a presunção de inocência.
Para além disso, a verdade histórica nem sempre corresponde à verdade processual, sendo certo que, é de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento, analisada à luz da lei e da consciência do julgador, de acordo com as regras da experiência comum, que se apura a verdade do processo.
Quando não é possível atingir o convencimento justificado, há que recorrer ao princípio in dúbio pró reu, valorando os factos de forma favorável aos arguidos.
Sendo certo que, no tocante ao princípio da livre apreciação da prova, o mesmo não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente essa discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» –, de sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 202-203 – neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2009, sob consulta em www.dgsi.pt.
É um facto incontornável que foi encontrado ADN do arguido (...) no frasco de álcool encontrado no quarto do falecido (...). Tal decorre do teor da perícia de fls. 517 a 519 (conjugada com o teor da reportagem de fls. 220 a 261, onde foi recolhido o vestígio A), da qual resulta que no referido frasco se obteve um perfil de maior contribuidor idêntico ao perfil do arguido (...).
O artigo 38.º da Lei 5/2008, de 12 de fevereiro (Base de dados de perfis de ADN - identificação civil e criminal) sob a epígrafe “Decisões individuais automatizadas” dispõe que: “Em caso algum é permitida uma decisão que produza efeitos na esfera jurídica de uma pessoa ou que a afecte de modo significativo, tomada exclusivamente com base no tratamento de dados pessoais ou de perfis de ADN”. De igual modo, o artigo 2.º da Deliberação n.º 3191/2008, de 03 de dezembro (Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN), o qual dispõe: “O perfil de ADN constitui uma prova a ser ponderada em articulação com as outras provas existentes no processo”.
Tal opção consiste num acautelamento das situações de falsos positivos, em que poderia ser apontado um indivíduo que nada tinha a ver com determinado crime.
Como tal, este meio probatório deve ser analisado em conjugação com os demais meios de prova, tanto mais, no caso, porque dele resulta que existem outros contribuidores de ADN no objeto, mas que não estão identificados (pois que não se conclui pela verificação de um perfil único).
A explicação que os arguidos dão para o facto de o ADN do arguido se encontrar no referido frasco, não é uma explicação inverosímil. Podendo ser desaconselhada na atualidade em termos médicos, não deixa de ser uma prática comum ainda em muitos setores da população colocar álcool nas feridas, e até diretamente, porque como diz o ditado, “o que arde cura”.
Por outro lado, resultou dos depoimentos das testemunhas (…), ambos clientes da arguida,que a mesma trazia normalmente consigo uma bolsa onde guardava vários objetos de higiene pessoal, entre eles álcool, sendo que ambos descreveram tal objeto como uma garrafa pequena e de plástico, ou seja, idêntica à apreendida nos autos. De referir que os depoimentos destas duas testemunhas se afiguraram credíveis. O primeiro pelo “comprometimento” revelado em recorrer a prostitutas, sendo que a expressão corporal do mesmo não correspondia minimamente à de alguém que estava a mentir. O segundo, pela normal descontração que a idade já lhe permite e pela naturalidade das respostas.
Por outro lado ainda, as testemunhas (…) referiram que esta última deu o contacto da arguida (...) ao falecido (...), e que este último tentou abordar a testemunha (…) por pensar que também era prostituta e confidenciou-lhe que queria encontrar alguém para ter relações sexuais. Donde, não é de estranhar que o falecido fosse visto em São Brás de Alportel a conversar com a arguida (...) como relatou a testemunha (…).
De todos estes elementos probatórios resulta que a realidade descrita pelos arguidos – que a arguida (...) frequentou a casa do falecido (...) para ter relações sexuais, que por norma trazia álcool consigo para a sua higiene pessoal, e que o arguido (...) era seu companheiro e mexia nos seus objetos – não é uma realidade inverosímil. Por outro lado, a arguida referiu ser possível ter deixado algum objeto esquecido na casa do falecido (...), pois não sendo hábito perder coisas, às vezes acontecia.
Não impressiona o facto de não terem sido encontradas impressões digitais no frasco de álcool, mas apenas ADN. Com efeito, se um objeto for manuseado por várias pessoas as impressões digitais vão desaparecendo. Foi apreendido um par de luvas nas imediações da residência de (...) – fls. 149, 328 a 331 – do qual, todavia, não foi possível fazer qualquer análise comparativa com o perfil genético do arguido – fls. 517 a 519.
A verdade é que em toda a casa do falecido (...) não foram recolhidos quaisquer outros indícios que permitam concluir pela presença dos arguidos naquele local. Foram feitos exames aos rastos de solas de sapatos deixados no local e, excluindo todas as pessoas que estiveram na casa na manhã emque o corpo foi descoberto,concluiu-se que o padrão do rasto de calçado deixado no local correspondia a um calçado do tipo desportivo da marca adidas, sendo que não foi possível relacionar com qualquer impressão constante da base de dados, nem relacionar com o calçado que o arguido trazia quando foi localizado em Vila Real ou apreendido qualquer calçado semelhante na sua residência – fls. 460 e 461, 302 e 303 e 388.
Os objetos subtraídos da residência de (...) nunca foram encontrados, nem na posse dos arguidos nem em qualquer outro lugar. O telemóvel da vítima foi posto sob interceção, todavia, sem qualquer resultado. Os arguidos foram objeto de várias vigilâncias – fls. 522, 523, 582, 583, 587 – e de interceções telefónicas – apenso II – e de busca domiciliária – fls. 388 a 409 - diligências das quais nunca resultou qualquer ligação dos arguidos aos objetos subtraídos da residência de (…), nem foram encontrados na sua posse objetos que pudessem estar relacionados com os factos. As testemunhas (…), referiram que a arguida (...) lhes pedia dinheiro com regularidade. As testemunhas (…) referiram que a arguida (...) reclamou a devolução de € 100,00 à agência funerária que tratou do funeral do pai do arguido. Todavia, daí apenas se extrai a conclusão de que os arguidos tinham dificuldades económicas – o que aliás não é difícil de compreender dado que o arguido não tinha trabalho e a arguida só auferia rendimentos se se prostituísse. Todavia, da residência do falecido (...), com exclusão do telemóvel e da carteira, desconhecendo-se se teria alguma quantia monetária no interior – não se fez prova segura de qualquer outro objeto subtraído, sendo certo que o cofre existente não foi arrombado e no seu interior existia dinheiro e objetos em ouro.
Por outro lado, há que ponderar a deslocação dos arguidos para Bragança. Os arguidos confirmam essa deslocação, a qual se encontra documentada pelas imagens de CCTV de fls. 426 a 433 e pelos documentos de fls. 293, 294, 297 e 298. Todavia, não se apurou que tenha sido subtraído dinheiro da residência de (...), nem com que dinheiro foi paga a viagem dos arguidos para Bragança ou a sua estadia em no hotel Ibis.
Constam dos autos – fls. 307 e 308 e 567 - talões multibanco que estavam na posse dos arguidos e um extrato de conta do pai do arguido, dos quais resulta que o arguido usava a conta do pai. Sendo certo que dali não resulta abundante liquidez, não pode deixar de se ter em consideração a forma “fácil” como a arguida (...) obtinha rendimentos.
Por outro lado, não deixará de se questionar que, tendo sido os arguidosos autores dos factos em apreço e o intuito era fugir, se tenham deslocado para Bragança apenas no dia 24 de setembro de 2018 e não logo após. Como não deixará de se estranhar que, logo após a sua inquirição na Polícia Judiciária em Vila Real, da qual os arguidos poderiam retirar a conclusão de que estariam a ser investigados, os mesmos tenham regressado a São Brás de Alportel logo no mês de outubro de 2018 – onde já se encontravam quando foi feita a busca domiciliária à residência no sitio da (…) – e aí tenham permanecido até à data da sua detenção, tanto mais, quando resulta de fls. 466/677 dos autos que em dezembro de 2018 o arguido recebeu da segurança social € 608,97 do subsídio de funeral por óbito do pai. Ou seja, querendo os arguidos fugir, tiveram a oportunidade de o fazer e permaneceram em São Brás de Alportel.
Por fim, há a considerar a questão da ativação da antena BTS através dos telemóveis dos arguidos. Ficou esclarecido pelo perito ouvido em audiência de julgamento que em São Brás de Alportel existe apenas uma antena BTS e que as áreas representadas pelas letras A a C (NOS) a fls. 113 a 117 são os locais cobertos pelo sinal proveniente dessa antena. O referido perito esclareceu ainda que cada estação cobre um raio de 30 km, sendo que em situações de fronteira dois equipamentos, utilizando tecnologia diferentes, podem acionar antenas diferentes. Ora, analisando os quadros constantes do apenso III – anexo II, III e IV verifica-se que pelas 20h28 o arguido telefona para a arguida, e pelas 20h30 e pelas 02h42 a arguida telefona para o arguido, sendo que, nessas três circunstâncias é acionada a célula de São Brás de Alportel. Ora, salvo melhor entendimento, nenhuma conclusão se pode extrair porquanto os arguidos residiam na zona de São Brás de Alportel e por conseguinte, era natural que as suas comunicações ativassem a antena de São Brás de Alportel e não outra. Relevante seria, se residindo a vítima em São Brás de Alportel e os arguidos no norte do país, no dia e hora do crime os seus telefones ativassem antenas em São Brás de Alportel. Agora, residindo todos na mesma localidade e sendo esta fornecida por uma única antena BTS, as localizações celulares não permitem concluir nada quanto à autoria dos factos pelos arguidos.
Tanto mais que, pela análise do anexo IV do apenso III se verifica que na noite de 17 para 18 de setembro de 2018 a arguida (...) tem vários contactos com vários números de telefone. Analisados os autos, verifica-se, por exemplo, que a fls. 1072 dos autos, a testemunha (...) indicou como número de telefone (…), numero este que de acordo com o anexo III do apenso III contactou com a arguida na noite de 17 para 18 de setembro de 2018 pelas 20h42, 22h51, 22h53, 23h04, 23h43, 23h46, 23h47, 23h55 e 3h02. Sendo que, em audiência de julgamento a testemunha referiu que contactava com a arguida (...) para ter relações sexuais a troco de dinheiro.
Além de que, como resulta desse mesmo anexo, na noite de dia 17 a arguida trocou mensagens com (…), seu primo, sendo que pelas 20h11 este lhe envia uma mensagem e é acionada a célula de Santa Catarina da Fonte do Bispo e pelas 20h14 a arguida recebe uma chamada de um outro número e aciona a célula de São Brás de Alportel. Por outro lado, pelas 2h44 e pelas 4h00 o telefone do arguido ativa os dados móveis e aciona uma antena no Montenegro e outra em Querença, respetivamente. Ou seja, como explicou o perito (…), em função da tecnologia usada (chamada ou voz) e em zonas fronteira podem ser acionadas diferentes células, estando a pessoa no mesmo lugar. Donde, o facto de na noite em que os factos ocorreram os telemóveis dos arguidos terem ativado maioritariamente células de São Brás de Alportel, nada de seguro permite concluir a não ser que se encontravam na zona onde àquela data residiam e era normal que ativassem tais células.
Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime, nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspetiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória, o que significa que não basta a certeza moral, mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.
No caso estamos perante prova meramente indiciária e o funcionamento e creditação desta prova, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objetivável e motivável nomeadamente em sede de sentença.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de abril de 2011, relatado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Santos Cabral, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “I - A avaliação dos indícios pelo juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes, pois que a sua comparação é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas. II - Os factos que visam o enfraquecimento da responsabilidade do arguido, sustentada na prova indiciária, são de duas ordens – uns impedem absolutamente, ou pelo menos dificilmente permitem que se atribua ao acusado o crime (estes factos recebem muitas vezes o nome de indícios da inocência ou contra presunções); os outros debilitam os indícios probatórios, e consubstanciama possibilidadedeafirmação, afavordo acusado, deumaexplicação inteiramente favorável sobre os factos que pareciam correlativos do delito, e davam importância a uma convicção de responsabilidade criminal. Denominam-se de contra indícios e emergem em função da necessidade de contrapor aos indícios culpabilizantes outros factos indício que aniquilem a sua força à face das regras de experiência. III - Tal como perante os indícios, também para o funcionamento dos contra indícios é imperioso o recurso às regras da experiência e a afirmação de um processo lógico e linear que, sem qualquer dúvida, permita estabelecer uma relação de causa e efeito perante o facto contra indiciante infirmando a conclusão que se tinha extraído do facto indício. Dito por outras palavras, o funcionamento do contra indício, ou do indício de teor negativo, tem como pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um determinado facto, a afirmação de que está debilitada a conclusão que se extraiu dos indícios de teor positivo”.
No caso dos autos, o único indício positivo no sentido da responsabilidade do arguido é a existência de ADN num objeto encontrado na residência do falecido. Todavia, todos os demais elementos probatórios debilitam esse indício positivo, sendo certo que para mesmo para esse os arguidos forneceram uma explicação alternativa plausível.
De referir, por fim, que as declarações parciais dos arguidos não podem no caso ser valoradas contra os mesmos. Por um lado, é máxima do direito processual penal que o silêncio dos arguidos nunca os pode desfavorecer. O princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere, nemo tenetur ipsum accusare) inerente ao princípio da presunção de inocência, asseguraao supostoautorde um crime (investigado, denunciado, testemunha) o direito de não produzir prova contra si mesmo. Mas, para além disso, no caso concreto resultou à evidencia que a ausência de declarações dos arguidos sobre os factos, e a prestação de declarações apenas sobre pontos específicos não resultou da vontade dos arguidos, mas sim da estratégia de defesa delineada pelos defensores e que os foram instruindo nesse sentido, contrariando por diversas vezes a espontaneidade dos arguidos que demonstraram vontade em explicar-se. Por esse motivo, essencialmente, a ausência de declarações dos arguidos ou a forma como foram prestadas não poderá prejudica-los.
Em face de tudo quanto fica exposto, com a certeza de que muitas das vezes a verdade do processo não corresponde à verdade histórica, os elementos probatórios carreados para os autos não foram suficientes para permitir ao Tribunal ultrapassar um mero convencimento moral e concluir por uma certeza sólida e objetivamente justificável quanto à culpabilidade dos arguidos. Por conseguinte, em nome doprincípio in dúbio pro reu, foram considerados os pontos 1 a 11 e 13 a 18 dos factos não provados.
Quanto aos pontos 12, 19 e 20 dos factos não provados foram assim considerados por ausência de prova quanto aos mesmos.
Relativamente às condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos – pontos 19 a 32 dos factos provados foram considerados o relatório social de fls. 1240 a 1242, os certificados de registo criminal de fls. 1210 e 1211 a 1221, este último traduzido a fls. 1272 a 1282 e as declarações da arguida (...) na última sessão da audiência de julgamento a propósito do período em que viveu em Bragança.»

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***


Cumpre conhecer.

B.2.1 - O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 (in D.R., I-A de 28/12/95).

Os recorrentes levantam uma simples questão, a violação do princípio da livre apreciação da prova contido no artigo 127º do C.P.P. – conclusões 1ª a 28º do Ministério Público e 1ª a 5ª da assistente.

O Ministério Público, além disso suscita em motivações, mas não levou às conclusões identificando-a expressamente, a existência de uma contradição insanável entre o facto provado em 3 e a sua fundamentação, designadamente os proventos da arguida (fls. 4 das motivações do Ministério Público), pretendendo que se dê como provado o que constava do artigo 1º da acusação, que “os arguidos tinham dificuldades económicas”.

A questão não provocou um convite ao aperfeiçoamento das conclusões apenas na medida em que, sendo tal vício de conhecimento oficioso, o tribunal ter que o analisar independentemente de o mesmo constar das conclusões identificado de forma clara. Acresce que a conclusão 5ª refere o facto, apesar de o não identificar como vício de facto a integrar no artigo 410º.

Daqui resulta evidente que o recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada mas faz um simples apelo à eventual violação do princípio da livre apreciação da prova e, por efeito da previsão do artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal, o tribunal deva analisar a questão em termos de apurar se existe algum “erro notório na apreciação da prova”. Ou seja, o recorrente nem sequer faz apelo à existência de um ou mais concretos “erros notórios na apreciação da prova” mas entende que este recurso implica que este tribunal deve voltar a analisar a prova à luz – e apenas – dos argumentos que alinha na peça processual.

Impõe-se, portanto, apurar e aclarar para que serve um recurso penal em matéria de facto, já que essa é a pretensão de ambos os recorrentes, sendo certo que apresentados como foram são mero sonho processual. Para tal desiderato três artigos do Código de Processo Penal são essenciais para esclarecer a matéria.

O primeiro é o artigo 431.º sobre a “Modificabilidade da decisão recorrida” que afirma expressis verbis que:

«sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou

c) Se tiver havido renovação da prova.»

Não havendo lugar a renovação da prova e sendo o primeiro requisito [a al. a)] um óbvio pressuposto e necessidade, resta apreciar as duas hipóteses colocadas como essenciais: o disposto no artigo 410º e a impugnação a que se refere o artigo 412º, nº 3, ambos do C.P.P..

E note-se que o artigo é vinculativo no sentido de dever ser interpretado como dizendo “a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto só pode ser modificada se ocorrer um dos casos previstos no artigo 410º ou se o recorrente impugnar nos termos previstos no artigo 412º, nsº 3 e 4 do diploma.

Ou seja, a invocação de “violação do princípio da livre apreciação da prova” serve de nada se não ocorrer uma das indicadas vias pois que essa invocação só serve para apelar a um princípio geral de apreciação probatória a inserir numa dessas duas vias processuais. Isto é, contrariamente ao que já aconteceu noutros ramos da actividade humana, não há aqui uma “terceira via”.

Concretizando, o recurso sobre matéria de facto apresenta duas formas de apelo, subdividindo-se pela invocação dos chamados “vícios da revista alargada” e que estão previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal e que são: a) - a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) - a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) – o erro notório na apreciação da prova.

Para validamente invocar tais vícios o recorrente só tem que demonstrar a sua existência por simples referência ao texto da decisão recorrida, fazendo apelo à racionalidade e às regras de experiência comum. Não necessita de apresentar prova. Aliás, se tiver que o fazer já não está a invocar este tipo de vício mas sim um vício de facto a exigir impugnação e, por isso, o cumprimento do regime do artigo 412º.

Desta forma ao recorrente pede-se apenas a sua alegação, o mais concreta e precisa possível, mas mesmo que o não faça o tribunal pode suprir tal deficiência pois que estes vícios “notórios” são de conhecimento oficioso. E são-no porque são os vícios extremos de uma decisão judicial e, em absoluto, não são tolerados pela ordem jurídica. Se a sentença apresenta um destes três vícios tem que ser alterada.

Coisa substancialmente diversa se passa com os vícios de facto que não sejam notórios, que se limitem a ser erros de apreciação probatória mas que não sejam patentes, óbvios, pela simples leitura da decisão. Implicam, para nos apercebermos deles, que seja apresentada (produzida em recurso) prova que os demonstre. Aqui já o recorrente tem que apontar de forma especificada e concreta erros de julgamento por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Trata-se da previsão do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Aqui já ao recorrente se impõe o cumprimento do ónus de impugnação especificada contido nos números 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal. Ou seja, não lhe basta alegar que o vício existe, tem que o identificar muito clara e concretamente por referência ao facto concreto (provado ou não provado), tem que dizer qual a prova que demonstra a existência do erro e tem que – pela racionalidade – demonstrar que esse erro implica necessariamente que a prova tem que ser apreciada de forma diferente.

Firmou-se doutrina e jurisprudência exigente quanto à necessidade de estrita observância deste ónus de impugnação especificada no acórdão de fixação de jurisprudência nº 3/2012 que veio consagrar a seguinte jurisprudência, alterando ligeiramente o entendimento anteriormente existente pela criação de uma alternativa quanto a um dos pressupostos de impugnação:

«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às provadas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

Podemos portanto concluir que as exigências se apresentam agora com uma configuração alternativa quanto a um dos requisitos e ao recorrente é exigível que cumpra os seguintes ónus processuais:

a) - A indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal);

b) - A indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal);

c) - Se a acta contiver essa referência, a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal);

d) – Ou, alternativamente, se a acta não contiver essa referência, a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).

Cumpridos estes ónus de carácter processual estará garantido o amplo recurso em matéria de facto? Sim, mas com uma precisão. O legislador não exige, apenas, que o recorrente indique as provas que permitam uma diversa apreciação da matéria de facto. O legislador exige que o recorrente indique as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto. E aqui o impõe significa “impõe” e não apenas “permite”, “possibilita” ou “consente”.

A razão é clara: o recurso não é um novo julgamento, sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico.

Assim é profundamente errada a ideia muito comum de que a existência de gravações da prova oral implica que basta a existência de um recurso para que o tribunal ad quem tenha que apreciar essa prova gravada mais os documentos, sem qualquer esforço do recorrente.

O tribunal de recurso não tem que reapreciar a causa e toda a prova que foi produzida nos autos! O tribunal de recurso só tem que apreciar o recurso nos moldes em que o recorrente o coloca (para além dos vícios de conhecimento oficioso, naturalmente).

Se o recorrente o coloca de forma deficiente – se não demonstra a existência de um “erro de revista alargada” do artigo 410º do diploma nem impugna de forma especificada nos termos do artigo 412º - o tribunal de recurso simplesmente e por imposição legal não pode alterar a matéria de facto (artigo 431º do C.P.P.).

Em resumo, um recurso não é um somatório de argumentos que, por muito interessantes que sejam, não sigam as supra indicadas vias e pela demonstração de erros óbvios ou demonstráveis por prova que tem que ser, laboriosamente, preparada e apresentada pelo recorrente.

Destarte a apresentação de muitos argumentos e a referência a meios de prova produzidos em audiência de julgamento, meramente referida en passant ou de forma genérica e sem a devida concretização como exigido pelo acórdão de uniformização de jurisprudência supra citado é uma actividade votada ao fracasso.


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B.2.2 - Em concreto os recorrentes não cumprem qualquer dos requisitos de impugnação à luz da previsão do artigo 412º do C.P.P.. Nem indicam os factos que se integram numa eventual impugnação, nem indicam especificadamente prova que pretenda sustentar essa sua impugnação e não fazem a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal) nem, alternativamente, identificam a transcrição das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).

Resta saber se existem vícios de facto a inserir na previsão do nº 2 do artigo 410º do C.P.P..

O M.P invoca expressamente um, a contradição entre um facto e a fundamentação, que refere na sua conclusão 5ª nos seguintes termos:

«Não foi dado como provado, e consta do ponto 1 da acusação, que os arguidos tinham dificuldades financeiras, quando, o próprio tribunal na sua fundamentação refere isso mesmo, pelo que se entende que deve ser aditada esta conclusão aos factos dados como provados sob o ponto 1., tanto mais que se está perante um crime de roubo, crime este que determinou um homicídio e um crime de incêndio tentado;»

Quer-nos parecer que o vício a existir e tal como foi alegado não é uma contradição insanável. Esta, a “contradição insanável na fundamentação” sobre matéria de facto, pode desdobrar-se em várias hipóteses: contradição entre factos provados que mutuamente se excluem numa versão lógica da “história”; contradição entre factos provados e factos não provados que conduzem à indeterminação quanto à verdade judicial que pretendia ser narrada por esses factos; contradição entre os factos (dados como provados e não provados) e razões contraditórias constantes da fundamentação que deixam dúvida inultrapassável sobre o acerto da convicção factual do tribunal recorrido e que não permitem o julgamento da causa.

Parece-nos que aquilo que vem alegado é antes um vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício que consiste, como se afirmava no acórdão do STJ de 11-11-1998 (Proc 98P1093 – Cons. Leonardo Dias) “a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão, ou seja, é aquela que resulta da circunstância de o tribunal julgador não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”.

E isto porquanto o recorrente entende que falta um facto na matéria provada, o facto “os arguidos tinham dificuldades financeiras”.

Mas, em ambas as hipóteses – contradição ou insuficiência – a alegação é improcedente pela razão que o próprio recorrente invoca na sua conclusão 5ª quando afirma que “entende que deve ser aditada esta conclusão aos factos dados como provados”.

Se é conclusão – e efectivamente é – não tem que constar dos factos.

E também porque o tribunal transformou em factos (ausência de emprego e ocasional prostituição) aquilo que era uma mera conclusão da acusação e que dela não devia constar.

Por isso que bem andou o tribunal recorrido e inexiste o invocado de vício de contradição insanável ou de insuficiência factual.


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B.2.3 – Apuraremos então se existe algum “erro notório na apreciação da prova” a integrar no artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal.

Dos muitos argumentos invocados pelos recorrentes, principalmente pelo M.P., ressalta que apenas se pretende alterar a apreciação feita pelo tribunal recorrido. E, é sabido, não cabe aos tribunais contraditar argumentos, sim questões pertinentes para a sorte do recurso nem, em sede de recurso, o tribunal da Relação substituir-se ao tribunal recorrido e fazer uma “nova” apreciação probatória fora dos parâmetros supra referidos.

Aqui o cerne da insatisfação de ambos os recorrentes é a circunstância de o tribunal de recurso não ter imputado os factos aos arguidos apesar de haver uma perícia a determinar que foi encontrado ADN do arguido num frasco de alcoól que foi encontrado no interior da casa da vítima. Essa é então a questão a apreciar, o saber se basta essa prova e outras indicadas pelo Ministério Público para a condenação dos arguidos.

Sendo o ADN a única prova disponível nos autos é insofismável que nas condições dos autos – prova encontrada num pequeno frasco de alcool – nem a razão nem a probabilidade permitem que se pense num juízo condenatório. O frasco pode ter aparecido no interior da casa por milhentas causas, uma delas a presença do arguido. É pouco, quase nada, para mais sabendo-se que o perfil não é único e há contribuidores não identificados.

E nem é necessário fazer apelo ao disposto no artigo 38.º da Lei nº 5/2008, de 12-02 que determina que “em caso algum é permitida uma decisão que produza efeitos na esfera jurídica de uma pessoa ou que a afete de modo significativo, tomada exclusivamente com base no tratamento de dados pessoais ou de perfis de ADN”.

E pela simples razão de que basta uma simples regra de boa apreciação probatória para que essa hipótese seja excluída.

Mas afirma o Ministério Público que o vestígio de ADN não é a única prova existente e concretiza na sua conclusão 25ª da seguinte forma (numeração de nossa autoria para facilidade de exposição):

Existe, sim, um conjunto de provas, a começar pelo ADN que permite concluir que foi o mesmo que matou, roubou e tentou colocar fogo na casa da vítima (...). Vejamos:
a) - O ADN do arguido na garrafa de álcool;
b) - Que só pode ter sido colocado nesse dia;
c) - A falta de impressões digitais (pois que a ausência de uma prova que devia existir e não existe, é em si mesmo uma prova);
d) - A existência de umas luvas com sangue a cerca de 180 metros de casa da vítima;
e) - O facto de o arguido não ter dormido;
f) - As suas comunicações com a arguida e a testemunha (...);
g) - A brutalidade da agressão física na vítima (todas as fotografias, em particular de fls.44, 45 e 238 a 242) que demonstra o emprego de força física considerável;
h) - As dificuldades financeiras existentes antes que desapareceram após os factos;
i) - O conhecimento que a arguida (...) tinha da vítima, da sua casa e dos seus bens;
j) - E por isso, a facilidade em que tinha que a vítima lhe abrisse a porta à noite.

Quer-nos parecer que se pretende fazer passar como “provas” o que não é prova [alínea c)], o que não é prova de imputação de factos aos arguidos [alíneas d) e g)} e regras que se apresentam como de experiência comum que não assentam em provas e são meros juízos abstractos [alíneas b), e), f), h) a j)], nem em presunções simples ou de facto devidamente caracterizadas e definidas, mas sim em meras abstracções.

Já o afirmámos anteriormente, “a argumentação lógica a desenvolver numa presunção simples supõe o estabelecimento de um nexo causal entre o facto conhecido e o facto desconhecido, supõe a existência de regras da experiência, de convivência social observadas empiricamente e que permitam relacionar os dois factos. Ou seja, partindo-se de um facto conhecido e fazendo operar uma máxima da experiência conclui-se logicamente pela existência de um facto desconhecido”.

Não estamos a lidar com presunções naturais ou regras de experiência comum, mas sim meros raciocínios abstractos assentes num juízo de mera e baixa probabilidade. Não há nos pontos indicados pelo Ministério Público qualquer nexo lógico ou causal entre as “provas” ali indicadas!

É claro que os juízos empiricos de probabilidade estão sempre presentes (até no “beyond a reasonable doubt”) mas exige-se para um juízo condenatório um grau de probabilidade que “roce a certeza”, que vá além da dúvida razoável. Mas, no caso presente estamos longe, estamos no campo da mera possibilidade. E um juízo de mera possibilidade não permite condenar ninguém.

Alguns argumentos não se entendem em sede de imputação dos factos aos arguidos. Realmente qual é a ligação causal que permite imputar a autoria dos factos aos arguidos nas alíeneas c), d) e g) (- a falta de impressões digitais; - a existência de umas luvas com sangue a cerca de 180 metros de casa da vítima; - a brutalidade da agressão física na vítima.)?

A ausência de impressões digitais não pode ser comum a qualquer autor desconhecido? Algum exame hematológico permite ligar as luvas aos arguidos? A brutalidade é característica única que liga o facto a estes agentes?

Por isso que se afirme sem tibiezas: o exame de ADN é a única prova a ligar os factos ao arguido. O resto são provas materiais que não permitem a imputação dos factos a qualquer um e meros raciocínios sem ligação real, palpável, a qualquer elemento probatório.

Os argumentos que o recorrente quer fazer passar como regras de experiência comum não se apresentam assentes em provas, mas sim em meras abstracções que o recorrente retira daquilo que entende que deveria ser dado como provado. E, como é sabido, um tribunal não tem por obrigação refutar argumentos se estes não assentarem em prova produzida que os permitam. E essa prova não foi produzida neste recurso.

Mas afirmamos mais, ultrapassando alguma contenção cautelosa do tribunal recorrido: nem sequer é possível ou necessário fazer apelo ao princípio in dubio pro reo. Simplesmente não há prova suficiente para a condenação. Não é possível formular um juízo condenatório.

Nem o tribunal deve iniciar a apreciação probatória à luz do princípio da livre apreciação probatória imbuído de dúvida. A apreciação da prova é uma operação racional e não dubitativa.

Penitenciando-nos pelo pecado, citamos nosso relato no acórdão desta Relação de 03/08/2018 (proc. 1360/14.IT9STB.E1) a propósito do princípio in dubio pro reo:

«Quando se aprecia a prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. usa-se a razão, os conhecimentos empíricos, os conhecimentos técnicos e científicos, as regras sociais e de experiência comum. Aqui não há metodo dubitativo, há métodos racionais de dedução e indução.
A final do labor anteriormente referido, o princípio in dubio pro reo impõe ao tribunal que, na dúvida, favoreça o arguido quando formula uma apreciação racional sobre o acontecer naturalístico, no caso de se não ter a certeza sobre esse acontecer.
(…)
Operar o princípio in dubio pro reo pressupõe, assim, um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório, mas apenas no final do processo racional de decisão sobre a matéria de facto.
Por fim, quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de deteminada forma, não de outra.
Isto é, e neste breve e superficial excurso sobre o tema, o juiz pode ver-se confrontado, a final quando constrói a sua convicção, com três situações:
- ou tem dúvidas sobre como ocorreram os factos e usa o princípio in dubio pro reo e dá-os como não provados;
- ou constrói um juízo de mera probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e deve dar os factos incriminatórios como não provados;
- finalmente, tem uma certeza judicial de que os factos ocorreram de determinada forma e dá os factos como provados.»

Ora, no caso concreto nem se chega ao estadio de mera probabilidade. Ficamos pela mera possibilidade por ausência de prova, o que não permite afirmar a operatividade do princípio in dubio pro reo por ausência de dúvida racional. Logo, não há dúvida, há certeza na inexistência de prova.

De tudo se pode concluir que as provas indicadas pelo recorrente em nada permitem concluir por uma errada apreciação da prova pelo tribunal nem impõem outra apreciação probatória.

Em resumo, não há eficaz impugnação factual, nem existência dos vícios de conhecimento oficioso e, assim sendo, está esta Relação impossibilitada de modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que estabilizado o objecto do recurso, o que significa o não provimento dos recursos


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C - Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em declarar improcedentes ambos os recursos.

Custas pela assistente pelo mínimo.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 10 de Novembro de 2020

João Gomes de Sousa

Nuno Garcia